segunda-feira, 2 de junho de 2014

Carrinhos

Quando era criança, adorava brincar com carrinhos.

Quando cresci um pouco, adorava os carrinhos de pipoca.

Quando fiquei adolescente, adorava o carrinho de meu pai.

Quando comecei a trabalhar, comprei um carrinho.

Hoje, passado muito tempo,

adoro, no trabalho, quando chega o carrinho de café.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Cem anos de ilusão

Eu a este ponto torno-me uma nau a navegar. Sem porto, trago em mim, sem poder me livrar, todas as agruras destes infinito mar.

Olho, vejo e sinto, sem poder falar, a presença de todos os monstros que pairam no ar.

Coube a mim um “gran finale”. Mas simplesmente não posso. Aceitariam um apenas um “finale”? Não quixotesco por si só, mas real; tão real que outros já sucumbiram por tal.

Coube a mim, capitão desta nau, apenas a solidão, o grande troféu a alcançar. Nada mais!

A luta sem luta, a luta com luta. A luta com dor. O momento se aproxima e a esperança se esvai, enquanto o tempo escorre pelas velas de nossas naus.

Uma coisa posso dizer: Nasci de coturno, e tenho um coração litificado por cem anos de ilusão. Poderia dizer o porque, e muito mais. Mas para que o faria, se nada mudou neste último século.

As pessoas nasceram, a grama cresceu, e elas se foram. O homem á lua chegou e o mundo encolheu. Hoje ele cabe na palma de nossas mãos. Mas nada mudou!

O homem cotidiano, xucro por natureza, não é capaz de enxergar o seu próprio rastro, de sentir o seu próprio cheiro. Assim como um guarda-chuva, nada muda!

A luta sem luta, a luta com luta, a mudança só pela dor.

31/08/2010

sexta-feira, 16 de maio de 2014

SAUDADES DO AMIGO

Em homenagem a uma época.

Autor: Luis Henrique Dias Tavares

Se o meu amigo estivesse vivo teria completado 90 anos. Infelizmente ele partiu em junho de 1991. Já então doente, mas lúcido e com a voz articulada ainda encontrou alegria para confiar-me que as mulheres da casa sempre o chamavam para que lhes dissesse a palavra final da canjica que borbulhava no grande tacho de cobre.

Foi esse orgulho de entendido no ponto certo de todos os doces e comidas o que ele manteve às vésperas de ir para o hospital e morrer. Vejo-o com os seus pequenos olhos vivos sentar-se na mesa para apreciar a moqueca de robalo com a bela cor do melhor azeite de dendê, o perfume especial dos pratos elaborados com amor e duzentos anos de cultura.

Com os olhos no meu amigo, minha mãe esperava. Ele saboreava lentamente o peixe embebido no azeite de dendê e no leite de coco. Servindo-se com o maior gosto, ele fazia o seu julgamento inapelável:

– Está boa, mas o coco era sapudo.

Sapudo! Como sabia? Como recolhera tal saber e arte? Poucos teriam como ele a certeza mais segura e apropriada para conhecer e comprar o melhor peixe fresco nas canoas que encostavam na escada do porto. Jamais conheci outro que reunisse vitória, festa e completa alegria no ato aparentemente simples de fazer feira. Ia do freguês da banana-da-terra ao da farinha de mandioca – única pura e deliciosa Copioba, fina e torrada ao ponto de parecer quente – do freguês de laranja-lima ao de abóbora e jiló, alguns desses fregueses tabaréus seus compadres. Mesmo que não fossem, conhecia-os a todos e pra cada qual tinha elogios e comentários que sempre valiam risos.

– Essa não, seu Luizinho!

Meu amigo chamou-se Luís Dias Tavares. Foi homem pobre nascido em família extensa e antiga. Pela linha paterna, era Dias Tavares por causa do avô João, imigrante português oriundo de Tomar, mas também considerava o pedaço Coelho de Sousa da avó Sinhá. Pelo lado matemo era Caldas Brito, o Caldas Brito do avô Tibério, homem dotado de famosa teimosia.

Por causa dos compromissos de família, julgou-se com o dever de cuidar de instituições assistenciais que vinham do século XIX – a Santa Casa, com o seu Hospital Gonçalves Martins, e o Asilo dos Meninos Desvalidos – ambas pobres e carentes, ainda mais pisadas e repisadas na descida econômica da cidade de Nazaré das Farinhas, que nunca foi rica, mas possuiu certo período de importância na sua condição de porto fluvial, escoadouro das riquezas do sudoeste.

Eu o vi bonito e feliz na reunião de médicos de Santa Casa, em 1933. Era jovem e recente Provedor (eleito em 1932), posição em que amargou solitária responsabilidade ao administrar instituições cujos magros recursos se apoiavam em aluguéis e enganosas apólices estaduais. Por aí se escoaram os melhores anos de sua vida.

Em algumas das lembranças mais recuadas de minha infância – bela e gostosa infância na Rocinha de Sinhá, no Onha e na Rua do Seco – vejo meu amigo preparando uma cantimplora de sorvete; ou o assisto elaborando balões para a noite de São João, que ele amava. Em distante madrugada de inverno eu o vi montar um cavalo tresmalhado e acertar sobre o corpo longa capa colonial. Ia cobrar uma dívida na Cidade de São Felipe.

Quarenta e cinco anos de comerciante! Nos últimos anos de vida sofreu permanente dor física e sentiu as duras limitações financeiras de pensionista do INPS. Não obstante pobre, encantou netos e netas, grande avô na capacidade de escutar e conceder.

É este meu amigo o velho que desce do ônibus e vem com passos arrastados e curtos até o banco de cimento em que o espero sentado. Tem sorriso de pai.

– Então, filho, como está?

É pergunta que não escutei. Mesmo que a escutasse, meu pai, não tenho palavras, gestos ou seja lá o que for. É só isso de me encontrar aqui neste fim de tarde. E são estas saudades que são muitas saudades.

TAVARES. Luis Henrique Dias. Sete cães derrubados. 59 Crônicas e o conto O misterioso caso da vida e da morte do comendador Borel (Salvador: Edufba; Fundação Casa de Jorge Amado, 200. p. 119-120)

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Caixinhas

Com o passar do tempo, descobri que desenvolvi um certo hábito.

Costumo arrumar as minhas coisas dentro de pequenas caixinhas.

Nelas coloco fatos, imagens, emoções,saudades

e todo este tipo de coisas.

As empilho umas sobre as outras,

e as esqueço em algum lugar escuro do sótão.

Outro dia, por um acaso, esbarrei-me com uma delas.

Era uma das antigas; uma das mais antigas.

Quando a abri, encontrei um sorriso largo, aberto e contagiante.

Olhei, com muito carinho pensei:

- Que bom eu ter guardados isso!

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Nando & Lica

Ainda era cedo, o expediente estava apenas começando, quando Hernando entrou na minha sala e foi logo dizendo: - Cara, eu amo Maria Amélia.

Fiquei sem saber o que dizer. Éramos amigos, mas conversávamos, no dia a dia, apenas assuntos de trabalho e sobre as sacanagens que sempre rola dentro de uma empresa. Nunca havíamos falado de seus assuntos particulares. Na época eu tinha poucos anos de empresa, e ele já era um profissional veterano em final de carreira.

Hernando, depois que se separou de sua mulher, passou a viver sozinho em seu apartamento e se transformou em um sujeito solitário, que poucas vezes saia. Vivia trancafiado em seu apto e quando a coisa ficava muito complicada era o zelador do prédio que ia fazer a limpeza e deixar as coisas em ordem. Sair, apenas para o trabalho.

Apesar de tudo, e de sua idade, ele se relacionava bem com a turma mais nova, e dentro dele, lá estava eu.

Mas naquela manhã Hernando estava diferente. Seu semblante parecia realmente abatido, como se houvesse passado a noite toda “em claro”. Aquela sua declaração parecia ser o início de um momento de desabafo.

Com calma, e fazendo longas pausas, como se estivesse ordenando o seu pensamento, contou-me que estava obcecado, já há anos, por uma colega, “a tal” Maria Amélia, e por mais que fizesse, não era correspondido. Enviara flores, enviara presentes, mas nunca obtinha respostas. Disse-me que sua paixão terminou se transformando em obsessão, e que ela chegou ao ponto de investigar a vida pessoal dela, com a intenção de achar algum espaço para poder conquista-la.

Sua mania o levou a segui-la nas suas atividades diárias. Se Maria Amélia ia a um supermercado, lá estava o Hernando observando-a de longe. Se ela ia a uma praia, lá estava ele fotografando a sua amada. Seu comportamento, de tão acintoso que era, obrigou-a a dar queixa na polícia. E lá se foi Hernando à delegacia dar esclarecimentos sobre o seu assédio. Terminou por ouvir do delegado, um belo carão e a promessas que se não mudasse de atitude, da próxima vez ele não seria tão condescendente.

E assim, o meu amigo Hernando caiu em profunda depressão, e por uns quinze dias, desapareceu do trabalho e se trancou em seu apartamento. Não falava com ninguém nem atendia telefonemas. Apenas o zelador, seu amigo, foi o seu único ser vivo que manteve contato com ele durante esses dias.

Passado o período de “luto”, Hernando reapareceu. Abatido, como era de se esperar, voltou, ou tentou retornar à suas atividades habituais. Como era de se esperar, a história de amor platônico do meu amigo se espalhou pela empresa, como um rastrilho de pólvora.

Naquela época, trabalhava conosco a Lícia, uma morena formosa, expansiva, cheia de personalidade, de relacionamentos abertos, com muita experiência de vida e muito fogosa. O único problema era que vivia fazendo visitas, quase que diárias, ao gerente do nosso banco.

Cheia de amor para dar, percebeu que aquele era um grande momento para resolver de vez os seus problemas. A fera estava ferida, em convalescência, e que sem dúvida precisaria de seu “apoio”.

E assim, a Lica, se empenhou em conquistar o Nando.

Com suas habilidades especiais e a carência do “seu amado”, a tarefa foi muito fácil de ser realizada. Em pouquíssimo tempo ela o tinha feito esquecer “a tal” Maria Amélia, e evaporou definitivamente a sua depressão.

A Lícia, na sua expansividade, cheia de alegria e amor para dar, alardeava aos quatro ventos que em breve os dois estariam morando juntos.

Rapidamente, Hernando vendeu o seu muquifo e comprou um apartamento “novo em folha” em um bairro nobre da cidade.

O ninho de amor, de Nando e Lica, estava armado. Os únicos pequenos inconveniente eram os dois filhotes adolescentes da Lica que iriam morar com eles. Mas Hernando nem estava ligando para isso. Parecia que finalmente ele havia conseguido uma família. Hernando e Lícia agora eram as personificações da pura felicidade. O homem ganhou uma nova vida e Líca se vangloriava que suas “habilidades especiais” tinham levantado o homem.

O tempo passou, e justiça seja feita, Lícia cuidou direitinho do velho Nando. Assumiu o papel de esposa responsável, dedicada e fiel, pelo menos até a onde se sabe. Ela o acompanhou com dedicação até a sua morte.

Tenho certeza que Hernando morreu bem assistido e digamos assim; “morreu feliz”. Superado este momento, e após certo tempo a “inquietude” e o “fogo” de Lica voltaram com tudo, e com eles, sua antiga vida.

O patrimônio deixado por Hernando foi rapidamente dilapidado, sendo que o belo apartamento do antigo casal, vendido para a compra de um menor. Hoje ela adotou um garotão malhado e voltou a fazer visitas ao seu antigo gerente.

Mesmo assim, acho que Hernando, onde quer que esteja, não a recrimina. Tenho certeza que os anos que ele passou com Lícia, foram os melhores de sua existência. Assim é a vida!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O milagre

Envolvida em uma profunda aflição, Maria Encarnación viu à sua frente a grande e pesada porta do convento se abrindo. Lá estava a abadessa, figura de semblante frio e sisudo e ar bastante severo.

A madre esperava para recebê-la, juntamente com seu pai, uma autoridade local e homem de grandes posses.

Para aquela jovem, a passagem por aquela porta representava o limite entre o mundo da liberdade, do amor, e o de uma vida de profunda tristeza, reclusa em um pequeno claustro solitário.

Já que ela não tinha nenhuma inclinação religiosa, qual teria sido seu erro para tão severo castigo?

Ao que se sabe, por uma dessas casualidades do destino, Encarnación conheceu e se apaixonou por Ryan, um jovem mancebo, que, para o azar de ambos, era totalmente desprovido de recursos e distinção social.

Logo que soube do seu envolvimento com o Ryan, seu pai totalmente enfurecido reprovou violentamente aquele relacionamento, e rapidamente providenciou o seu internamento no monastério da cidade. Na madrugada do dia seguinte, o jovem Ryan fora raptado e forçado a embarcar em um navio que saia para a Espanha.

Os meses seguintes de Encarnación no mosteiro foram regidos por uma por apatia profunda e adoecimentos constantes. Naquele ambiente austero e de isolamento, sua única comunicação com o mundo exterior era no dia de visita, em que falava com sua mãe através de um estreito gradil de madeira, por apenas alguns minutos. Sem nenhuma inclinação religiosa e com indecifráveis intenções latentes, Encarnación passou a conviver com centenas de outras donzelas que ali estavam por motivos semelhantes ou por promessas feitas por seus pais, que as ofereciam como oferendas a sua santa de devoção.

Vivendo com apenas o indispensável, os meses, assim como os primeiros anos foram se arrastando entre o duro trabalho diário do monastério, as aulas e as longas horas de recolhimento espiritual.

Os únicos momentos de descontração resumiam-se às curtas caminhadas pelas ruelas daquele excêntrico convento e as discretas conversas com as outras educandas, nos belos pátios, repletos de flores e pequenos arbustos.

Certa tarde, em mais uma dessas caminhadas, discretamente Encarnación recebeu de uma laica de serviço um intrigante bilhete que dizia: - Em breve estarei com você, não se assuste.

Vivendo no meio de centenas de pessoas de sentimentos tão heterogêneos, tudo parecia ser possível.

E assim, Encarnación viveu os dias seguintes envolta no mistério daquele bilhete intrigante e anônimo.

Certa noite alguém bateu à porta do seu claustro. Já era bem tarde e a noite apresentava-se bastante escura. Maria Encarnación intrigada e com receio perguntou timidamente: - Quem está ai?

E como resposta obteve:- Preciso falar com você.

Aquela voz não era estranha para ela. Mas mesmo assim, por cuidado, olhou pela pequena vigia da porta e viu a imagem de uma monja usando o seu capuz que lhe escondia totalmente o rosto. Quem seria?

Neste instante ela ouviu: - Não se assuste Encarnación, sou eu. Sou eu! Ryan! Eu voltei.

Ryan! Como poderia ele estar ali? Como poderia ter saltado os altos muros de siliares que cercavam o mosteiro?

Mas o fato era que Ryan, após ter conseguido voltar da Espanha, havia achado uma forma de entrar no mosteiro.

Sem duvida era ele. Imediatamente abriu a porta e Juntos passaram o resto da noite trocando profundos carinhos e juras de um amor verdadeiro.

E assim os dias foram se sucedendo e Ryan, vestido com hábito de monja, todas as noites conseguia transitar furtivamente pelo convento sem ser notado e visitar a sua amada.

Devido aos movimentos clandestinos que existiam durante as noites do convento, com saídas e entradas das donzelas entre os vários claustros, Ryan terminou por ser descoberto devido a um pequeno detalhe: as botas que usava por baixo do hábito.

Rapidamente a abadessa foi avisada que havia um homem transitando no convento e que tinha entrado no claustro de uma das educandas.

Como explicar a presença de um homem na cela de seu mosteiro? Isso seria um verdadeiro escândalo, pensou ela.

Enquanto as auxiliares tentavam abrir a porta do claustro, a abadessa aflita tratou de mandar todos embora, deixando apenas duas madres de sua extrema confiança.

Quando finalmente conseguiram destravar a trancada porta, a madre superiora dispensou também as laicas, e juntamente com as outras duas madres entraram na cela.

Para sua surpresa, elas se depararam com um belo anjo que estava ajoelhado aos pés de Maria Encarnacion, e que repetia solenemente e sem parar: - Salve Maria, Salve Maria..............

Conta a abadessa que em um determinado instante, uma luz começou a emanar do corpo de Maria e a tomar toda a cela, a tal ponto de quase não permitir mais poder ser observada.

Mas mesmo assim, a madre superiora jura ter visto o corpo de Maria e do anjo, se transformarem em pura luz e se fundirem. Seguindo-se a isso, ela relata que houve uma grande explosão de energia, e como um raio toda aquela luz projetou-se porta a fora, indo em direção as montanhas localizadas próximas ao convento. A explosão de energia teria sido tão forte que chegou a queimar algumas peças do claustro.

Acontecido tudo isso, a abadessa convicta que tinha presenciado um verdadeiro milagre no seu monastério, determinou que a partir daquela data o claustro de Maria Encarnación se transformasse em um lugar sagrado do convento. Na madrugada prevista para a partida do navio que serviria de fuga para Ryan e Encarnación, enquanto a nave desatracava do cais, tomava o seu rumo e se perdia mar adentro, sendo engolida pala escuridão da noite, de dentro de uma carruagem, três vultos negros observam discretamente a partida daquele navio. Após alguns momentos a carruagem parte, e também ela se embrenha na escuridão daquela noite.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O gato

Havia chegado o inverno.

Repentinamente a porta da sala se abriu

e um vento gélido percorreu todo o ambiente.

Um gato, branco como a neve, entrou pela porta

e foi beber o leite que se encontrava em um grande pires.

Bebeu, bebeu, bebeu, até se saciar.

Em seguida mergulhou no leite e desapareceu.